Alcione se situa entre a tristeza e a alegria no repertório do primeiro álbum de músicas inéditas em cinco anos
Artista grava ‘Evidências’ no disco em que também canta sambas de Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho. Alcione lança hoje, 9 de maio, álbum gravado com produ...

Artista grava ‘Evidências’ no disco em que também canta sambas de Arlindo Cruz e Zeca Pagodinho. Alcione lança hoje, 9 de maio, álbum gravado com produção musical e arranjos de Alexandre Menezes Vinicius Mochizuki / Divulgação ♫ OPINIÃO SOBRE DISCO Título: Alcione Artista: Alcione Cotação: ★ ★ 1/2 ♬ Para cantora habituada a lançar disco com 14 faixas, o álbum intitulado Alcione e lançado hoje, 9 de maio, chega quase a soar como EP por alinhar somente oito músicas. Trata-se do primeiro álbum de músicas inéditas da artista desde Tijolo por tijolo (2020), disco apresentado há cinco anos com a mesma oscilação que pauta o atual álbum Alcione, gravado com produção musical e arranjos de Alexandre Menezes. Aos 77 anos, Alcione já personifica entidade na música brasileira. Qualquer crítica feita ao repertório da artista faz eco somente fora do círculo de milhões de admiradores dessa grande cantora da cor e do gosto de um Brasil miscigenado que idolatra ídolos da MPB com a mesma devoção com que celebra vozes do pagode romântico e astros sertanejos. Aliás, é sintomático que, entre as oito faixas do álbum Alcione, haja a abordagem de um dos maiores sucessos do universo sertanejo, Evidências (José Augusto e Paulo Sérgio Valle, 1989), grande composição lançada na voz de Leonardo Sullivan, mas associada para sempre ao canto anasalado de Chitãozinho & Xororó desde que a dupla reapresentou a música em álbum de 1990. E não é que a gravação de cinco minutos e 20 segundos de Alcione, com coro e teclados predominantes no arranjo, escancara que Evidências é música com a cara da Marrom, que muitas vezes encarnou no repertório a mulher apaixonada e submissa ao homem amado? Não fosse Evidências uma música já tão batida, o hino sertanejo poderia até virar hit na voz de Alcione. Outra regravação – essa mais surpreendente – é a de Não penso em mais nada (2014), parceria de Arlindo Cruz e Junior Dom lançada no último álbum solo de Arlindo, Herança popular (2014). Com jeito de pagode romântico, Não penso em mais nada é um dos sambas mais apaixonados da extensa obra de Arlindo Cruz e recai feliz na voz de Alcione. Por espantar a tristeza recorrente na parcela romântica do repertório de Alcione, a composição de Arlindo se afina com Ninguém é mais feliz do que eu (Fred Camacho, Cassiano Andrade e Fabrício Fontes), samba inédito em que Alcione celebra o prazer de estar ao lado de um “garoto travesso” – personificação do “garoto maroto” de 1987 – em gravação que culmina com improvisos vocais em que a cantora oferece lampejos da habilidade como brilhante domadora de ritmo, cantora de grande musicalidade, até por também ser instrumentista competente no toque do trompete. Gravado no estúdios da gravadora carioca Biscoito Fino pelo engenheiro de som Lucas Ariel e mixado e masterizado por: Alberto Vaz (Nashville, Tennessee, EUA), o álbum Alcione oferece amostra de (quase) tudo o que Alcione gosta de cantar – de bom e de ruim – e quem conhece o gosto da artista saberá entender e justificar as escolhas deste disco de repertório irregular. Se faltou faixa dedicada ao Maranhão, Aonde eu puder cantar (Arlindinho, Inácio Rios e Igor Leal) cita o tambor de mina do estado natal de Alcione em letra que soa como um testemunho de fé da artista no ofício de cantar aonde o povo está. Entre a alegria e a tristeza, a cantora apresenta Por esses olhos seus – mediano e melancólico samba quase canção de Zeca Pagodinho em parceria com Fred Camacho – e tenta reanimar o espirito de A loba (Paulinho Resende e Juninho Penalva, 2001) com Não mexe comigo (Igor Leal e Thiago Servo), música insossa, mas apelativa, apresentada em 3 de abril como segundo single do álbum Alcione. O primeiro single, Marra de feroz (2024), saiu em julho do ano passado e resultou sem força para propagar a necessária pauta identitária do respeito à mulher, em que pesem a assinatura de Xande de Pilares, parceiro de Gilson Bernini e Helinho do Salgueiro no samba. Das três faixas já previamente conhecidas do álbum Alcione, a melhor é Mar de segredos (Nani Palmeira e Reno Duarte), samba-canção gravado pela cantora para a trilha sonora da novela Garota do momento (Globo, 2024 / 2025) para ser o tema do ex-casal Raimundo (Danton Mello) e Lígia (Palomma Duarte). Ao mergulhar em Mar de segredos com densidade, Alcione faz emergir onda de ressentimentos amorosos em gravação que merece ser ouvida além do universo de seguidores da novela das 18h. Mar de segredos se eleva na voz de Alcione porque a cantora é vocacionada tanto para cantar as alegrias da paixão quanto “os momentos tristes de solidão” de que fala a letra da música. É entre a alegria e a tristeza – com todos os sentidos carregados por essas duas palavras – que a Marrom se situa no álbum Alcione, ciente de que a voz dela já paira acima do bem e do mal na música brasileira. Capa do álbum ‘Alcione’ Vinicius Mochizuki